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[CancerThera na mídia] A replicabilidade na pesquisa médica

Este texto foi originalmente publicado no portal Hora Campinas em 06/05/2024.

– Por Carmino de Souza

Há algumas semanas, recebi uma comunicação através de meu email da Zeppelini Editorial, e que achei muito interessante para nós, pesquisadores médicos e das ciências da vida. Assim, resolvi transcrever, em boa parte, e comentar o texto para trazer essa informação e discussão à nossa sociedade. A comunidade científica, mais uma vez, se vê diante de um desafio crucial – a replicabilidade na pesquisa. Eu sempre comento com alunos e pesquisadores que trabalham comigo que nossas publicações devem ser replicáveis.

Os leitores de nossos trabalhos são, em geral, especialistas na área, e vão buscar entender e reproduzir o que produzimos em termos científicos. Já assistimos muitos pedidos de retratação em publicações cujos leitores não conseguiram reproduzir o trabalho e contestaram fortemente os autores a ponto de artigos serem removidos da literatura. Esse tema tem sido objeto de inúmeras discussões, debates e esforços para encontrar soluções viáveis.

No cerne dessa questão, está a confiabilidade dos resultados científicos e sua capacidade de serem reproduzidos por outros pesquisadores. Para autores, editores, publishers e instituições acadêmicas e científicas, enfrentar esse problema requer uma abordagem proativa e colaborativa.

Um dos principais pilares para encarar dúvidas em torno da replicabilidade na pesquisa é a redução do viés. Isso implica uma análise crítica e transparente de todos os aspectos do processo de pesquisa, desde a formulação da hipótese até a interpretação dos resultados. Nesse ponto, o capítulo de “materiais (ou casuística) e métodos” deve ser sempre muito bem escrito e claro.

Os autores devem ser encorajados a divulgar todos os detalhes metodológicos relevantes, incluindo quaisquer desvios ou ajustes feitos durante o andamento do estudo. Os eventuais desvios ou violações dos protocolos de pesquisas são “humanos”. O que não se pode é esconder, e sim relatar. Não fazer é fraude. Além disso, a transparência nos métodos de pesquisa e análise de dados é fundamental.

Editores e publishers desempenham um papel decisivo ao estabelecer padrões rigorosos para a apresentação e a divulgação dessas informações. Isso inclui, por exemplo, a exigência de pré-registro de estudos, no qual os autores declaram sua intenção de conduzir uma pesquisa antes de iniciar o trabalho de coleta de dados, ajudando a mitigar o viés de publicação.

Outro aspecto essencial é promover a cultura de replicabilidade na comunidade científica. Tal processo pode ser feito incentivando a replicação de estudos por outros pesquisadores e reconhecendo o valor desses esforços mediante mecanismos como a publicação de resultados de replicação em revistas científicas de renome.

Artigos semelhantes em seu planejamento e execução podem compor metanálises, que têm alto valor estatístico e grande evidência científica. As plataformas científicas também podem gerar um esforço ativo ao fornecer infraestrutura e recursos para apoiar a replicabilidade. A iniciativa pode incluir o desenvolvimento de diretrizes claras para os autores seguirem ao relatar seus estudos, bem como a implementação de práticas de revisão por pares que enfatizem a avaliação da robustez metodológica.

Igualmente, investir em tecnologias que facilitam o compartilhamento de dados e materiais de pesquisa favorece o aumento da transparência e da acessibilidade dos estudos, permitindo que outros pesquisadores reproduzam e verifiquem os resultados por conta própria. No entanto, enfrentar o problema da replicabilidade na pesquisa requer uma mudança cultural mais ampla dentro da comunidade científica.

Isso inclui uma maior ênfase na qualidade sobre a quantidade de publicações, incentivando uma abordagem mais colaborativa e cristalina para a pesquisa. Editores e publishers desempenham um papel vital nesse processo, pois têm o poder de influenciar as normas e práticas que governam a publicação científica. Eles devem ser proativos na implementação de políticas e diretrizes que promovam a replicabilidade e a transparência, ao mesmo tempo em que reconhecem e recompensam os esforços dos pesquisadores que adotam essas práticas em seus trabalhos.

Para avançarmos na questão da replicabilidade na pesquisa científica, é fundamental que toda a comunidade científica reconheça que tamanho desafio não é exclusivo de uma única disciplina ou campo de estudo. Ele abrange uma ampla gama de áreas, desde as ciências naturais até as sociais e humanas. Qualquer solução proposta deve ser adaptável e aplicável a diferentes contextos de pesquisa.

Uma abordagem promissora para enfrentar esse desafio é a promoção de práticas de pesquisa aberta (open access) que tenho defendido em vários de meus artigos. Isso envolve a disponibilização pública de dados, códigos e materiais de pesquisa associados a um estudo. Ao permitir que outros pesquisadores acessem e verifiquem os dados subjacentes, a pesquisa aberta aumenta a confiabilidade dos resultados.

Além disso, é importante reconhecer que a replicabilidade na pesquisa não é apenas uma questão técnica, mas também envolve aspectos sociais e institucionais. Isso inclui a necessidade de incentivos adequados para os pesquisadores que investem tempo e recursos na replicação de estudos, bem como a promoção de uma cultura acadêmica que valorize a integridade científica.

De outro lado, as revistas científicas têm o poder de estabelecer padrões e diretrizes para os autores seguirem incentivando a divulgação completa e transparente dos métodos e resultados de estudos. Também podem promover a replicação incentivando a submissão de estudos de replicação e fornecendo orientações claras sobre como esses estudos devem ser conduzidos e relatados.

No entanto, é importante reconhecer que não existe uma solução única para o problema da replicabilidade na pesquisa. Em vez disso, é necessário um conjunto de medidas coordenadas e colaborativas envolvendo pesquisadores, editores, publishers e instituições acadêmicas – desde a implementação de políticas de transparência e replicabilidade ao nível institucional até a criação de incentivos para os pesquisadores adotarem práticas de pesquisa aberta.

Em última análise, enfrentar o problema da replicabilidade na pesquisa não é uma tarefa fácil, mas é essencial para garantir a integridade e a confiabilidade da ciência. Requer, portanto, o compromisso contínuo e colaborativo de todos os envolvidos no processo de pesquisa, desde os autores até os editores e publishers, para promover uma cultura de excelência científica baseada em transparência, rigor e replicabilidade.

>>> Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Diretor Científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera.

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