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[CancerThera na mídia] A ética na saúde e em suas pesquisas: princípios essenciais

Este texto foi originalmente publicado no portal Hora Campinas em 27/05/2024.

– Por Carmino de Souza

Hoje, pretendo discorrer sobre um tema que é muito importante para a ciência, mas também, e principalmente, para nossas vidas: a ética. Aqui, falarei mais sobre a ética em nossas pesquisas em seres humanos, mas sem esquecer o quanto é importante a ética em nosso dia a dia. Ética não é lei, portanto, não a seguir ou praticar não levará alguém aos “bancos dos réus”. Mas a ética é uma das coisas mais importantes em nossas vidas de relações humanas, profissional ou de qualquer outra ordem.

Em minha opinião, o sentimento que mais foi perdido por nós, seres humanos, foi a generosidade. Vemos isto, atualmente, todos os dias. Porém, vimos em passado recente, como fomos mais solidários durante a pandemia de Covid-19. Entretanto, a ética está entre as coisas mais importantes esquecidas por todos nós, voluntária ou involuntariamente. Assim, é uma zona “cinza”, e onde nossos comportamentos e respeito ao nosso semelhante são fundamentais. É, em resumo, respeitar os limites individuais e sociais mantendo, assim, nossas paz e estabilidade.

A Ética é o ramo da filosofia que envolve a discussão, a sistematização e a recomendação de conceitos (“certos e errados”). Implica o estudo e a reflexão dos valores da vida de modo a permitir uma vida boa e adequada, em sociedade. Em um sentido muito amplo e social, a ética é a determinação da melhor forma de convivência em sociedade.

Outro conceito importante é sobre a “moral”, isto é, aquilo que aceitamos como certo ou errado. A ética precede, justifica e explica a moral, mas, eventualmente, pode conflitar com a moral e mesmo com as leis vigentes. Nossa moral define nosso comportamento, ainda que não haja qualquer supervisão ou controle. Isto vale para qualquer momento ou circunstância.

Mas, então, por que precisamos de Ética em Pesquisa com Seres Humanos?

A necessidade desta regulamentação surgiu como consequência dos horrores cometidos durante a Segunda Guerra Mundial, na qual ‘pesquisadores” praticaram os piores e mais odiosos atos contra os seres humanos, baseados e justificados pelo “avanço da ciência”. O Código de Nuremberg, de 1948 e instituído após o tribunal de mesmo nome, estabeleceu que as pesquisas com seres humanos exigiam a absoluta necessidade do consentimento para a participação na pesquisa. Assim, ficava estabelecido o princípio da autonomia e da autodeterminação dos indivíduos e das comunidades.

Em outras palavras, liberdade de escolha. No Brasil, leis, normas e regulamentos são mais recentes e remontam a década de 1980. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou a resolução CNS 466/2012, que substituiu as anteriores (de 1988 e 1996) e que estabeleceu conceitos muito importantes e significativos: autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, entre outros. Essa resolução se aplica à comunidade científica e ao Estado.

Assim, toda pesquisa com seres humanos deve ter projetos detalhados e completos para a análise, a aprovação e o seguimento dos Comitês de Ética em Pesquisas (CEPs) e devem seguir as resoluções nacionais vigentes.

Uma palavra sobre a “não maleficência”, termo pouco usado e conhecido, mas muito antigo. Hipócrates, o pai da medicina na Grécia antiga (460-377 a.C.), já estabeleceu o conceito do “primum non nocere”, isto é, em primeiro lugar, não devemos causar danos ou prejudicar nosso semelhante com nosso trabalho. Isso é muito interessante, pois, quando atuamos nas ciências da vida, pensamos quase sempre no que estamos fazemos de “bem” (beneficência) e esquecemos, por vezes, dos riscos, efeitos adversos e eventuais malefícios a que possamos estar expondo nosso paciente ou a sociedade. Muitas outras resoluções vieram e estão vigentes em diversas áreas da ética em pesquisa e devem ser observadas pelos pesquisadores.

Um documento constante dos projetos e protocolos de pesquisa, muito importante de ser adequadamente aplicado e que está diretamente ligado à autonomia do paciente, é o “termo de consentimento livre e esclarecido” (TCLE), assinado pelo paciente ou responsável em pesquisas com seres humanos. Outro conceito fundamental e que deve ser discutido e definido pela sociedade como um todo e não apenas por nós da área da saúde, é a questão da autonomia.

É muito frequente que tenhamos conflitos nesse campo. Posso citar o exemplo em minha área de atuação e que diz respeito às “testemunhas de Jeová” de não aceitarem as transfusões sanguíneas. Este tema foi alvo de discussões por anos no Conselho Federal de Medicina com muitos seguimentos da Sociedade Civil até que pudéssemos chegar à conclusão de que isso não é diferente de outras decisões dos pacientes em sua autonomia.

O que é, portanto, autonomia? É a capacidade de ser livre, moral e fisicamente, de se autodeterminar, tomar decisões e cumpri-las. Porém é muito importante dizer e enfatizar que este é um ato racional, que depende da boa, adequada e científica informação, da ausência de desejos e crenças e, é claro, da complexidade e da gravidade da situação.

Gostaria, ainda, de comentar neste artigo mais dois conceitos importantes que são o da equidade e o da justiça. Tenho escrito muito sobre equidade, algo ligado diretamente à justiça social. Temos procurado, cada vez mais, a busca da equidade em nosso sistema de saúde. Já a justiça trata da igualdade de todos os cidadãos.

Assim, equidade e justiça são conceitos muito próximos e complementares. O que temos visto dentro do que chamamos de “judicialização da saúde” mostra que ainda estamos distantes da tão desejada equidade, entre os mais relevantes e maduros dados que possam ser obtidos a partir da ciência.

Assim, a ética em pesquisa e os protocolos de pesquisas bem elaborados e aplicados aos pacientes, conscientes e informados, é que levarão à geração de conhecimento científico correto, maduro e atual. Esse conhecimento gerado pela participação dos próprios pacientes levará ao avanço, ao melhor bem-estar e a decisões autônomas bem fundamentadas pelos nossos profissionais médicos e pacientes.

>>> Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Diretor Científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera.

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