Este texto foi originalmente publicado no portal Hora Campinas em 07/07/2025.
– Por Carmino de Souza
A cada ano, milhões de artigos científicos são publicados. Grande parte deles é incompreensível para o público em geral. E poucos cientistas estão fazendo algo a respeito. A inacessibilidade à pesquisa não só impede que muitas pessoas aprendam sobre os avanços científicos, mas também contribui para a disseminação de desinformação e desconfiança entre cientistas e o público.
É importante, agora mais do que nunca, tornar a ciência acessível. Criamos uma torre de marfim para nós mesmos. Estamos isolados do resto do mundo por nos importarmos pouco com o que acontece na prática. A crescente inacessibilidade de publicações científicas, a disseminação de informações incorretas e a desconfiança entre a ciência e o público contribuíram para a inacessibilidade do conhecimento científico.
As publicações científicas não são, habitualmente, acessíveis. Os números são incríveis:
• O nível médio de leitura nos Estados Unidos gira em torno do 7º ao 8º ano, enquanto o de uma publicação científica gira em torno do 17º ao 20º ano – ou seja, em um nível pós-universitário. Além disso, os artigos científicos estão ficando mais difíceis de ler, cada um com mais de 20 páginas de jargão científico.
• Milhões de artigos científicos são publicados anualmente em cerca de 30.000 periódicos de pesquisa. Para piorar a situação, esses números continuarão a crescer e quem sabe onde estaremos nos próximos anos.
• Centenas a milhões de dólares em taxas de assinatura dificultam o acesso a esses artigos, tanto para indivíduos quanto para instituições.
Se não educarmos de forma acessível, permitindo que a desinformação se espalhe, o que mais podemos esperar? É fundamental que resolvamos isso antes que nos deparemos com outra emergência internacional. Como informações científicas precisas não são facilmente acessadas ou compreendidas, a sociedade fica vulnerável à disseminação de informações imprecisas e potencialmente prejudiciais.
Isso se reflete, principalmente, na prevalência do uso das mídias sociais. Bilhões de pessoas em todo o mundo usam as mídias sociais todos os dias. Somente nos Estados Unidos, mais de 90% das pessoas relatam uso diário das mídias sociais. Essas plataformas digitais têm proporcionado uma saída incrível para pessoas de todo o mundo se conectarem e aprenderem. No entanto, esse aprendizado pode ser equivocado, pois informações imprecisas se espalham mais rápido e por mais tempo do que informações precisas.
Notícias falsas têm maior probabilidade de atrair a atenção e o interesse dos espectadores e, portanto, serem compartilhadas com outras pessoas. Isso cria incentivos para o sensacionalismo das informações. Pudemos ver as consequências sociais, políticas e de saúde negativas dessa disseminação de desinformação, especialmente durante a pandemia da Covid-19 .
Muitos cientistas ficaram chocados com a resposta do público à crise sanitária que a pandemia representou. Alguns achavam que a vacina continha um chip de rastreamento do governo. Outros foram vítimas de falsas promessas de certos medicamentos. A ciência passou a ser associada a candidatos políticos em vez da saúde geral de todos os cidadãos. Deixou de ser uma questão científica; passou a ser uma questão política – dominada pela política, pelo debate e pelo ódio.
Mas, como cientistas, podemos culpar totalmente o público por sua resposta? Se não educarmos de forma acessível, permitindo que a desinformação se espalhe, o que mais podemos esperar? É fundamental que resolvamos isso antes que nos deparemos com outra emergência internacional.
Imagine um cenário em que o problema é percebido e um cientista dedica tempo para compartilhar informações precisas com o público em geral. Esse cientista é recebido com desconfiança e hesitação, e o público não tem confiança nas informações que estão sendo compartilhadas. Em resumo, informações precisas não podem ser acessadas, o que leva a interpretações imprecisas e visões equivocadas. A partir daí, informações imprecisas se espalham rapidamente. No entanto, quando os cientistas apresentam informações precisas, eles se deparam com desconfiança.
Para realmente mudar a situação nesta questão, a comunicação e a divulgação científica devem ser necessárias e incentivadas no meio acadêmico. Com cada publicação acadêmica, o autor deveria publicar um resumo leigo daquela publicação em um nível que o público em geral possa entender.
É fundamental que desenvolvamos melhor as ferramentas e a infraestrutura para que os cientistas compartilhem seu trabalho com o público e se sintam apoiados e valorizados ao fazê-lo.
>>> Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp e pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo (1993-1994), da cidade de Campinas (2013 e 2020) e secretário-executivo da Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Governo do Estado de São Paulo (2022). Atualmente, é presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, conselheiro e vice-presidente da FAPESP, além de diretor-científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).