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Pesquisadores do CEPID CancerThera publicam artigo de revisão de literatura sobre o Teranóstico no câncer de próstata com um valioso panorama sobre o tema

Uma abordagem médica que surgiu na década de 1940 utilizando o iodo radioativo (iodo-131) para identificar e tratar doenças da tireoide vem ganhando cada vez mais espaço no cenário mundial da Medicina Nuclear e da Oncologia: o Teranóstico – um nome que vem da junção das palavras “terapia” e “diagnóstico”; em grego, therapeia (curar, tratar) e gnosis (conhecimento).

O Teranóstico é um modelo de cuidado com pacientes oncológicos que combina a mesma molécula (um fármaco, medicamento) com distintos isótopos radioativos para formar radiofármacos diversificados. Os isótopos são variações atômicas de um elemento químico com diferentes números de nêutrons. Um exemplo é o do iodo, cujo isótopo estável é o iodo-127, enquanto o iodo-131 é um radioisótopo amplamente usado no câncer de tireoide há mais de 50 anos.

No Teranóstico, os médicos nucleares usam, inicialmente, um radiofármaco com propriedades diagnósticas para identificar a extensão da doença no corpo do paciente. Depois, um novo radiofármaco, formado pela mesma molécula e um radioisótopo diferente, é administrado de modo que a célula tumoral seja destruída pela radiação. 

No caso do radiofármaco para fins diagnósticos, o radioisótopo é de um tipo que emite, por exemplo, fótons gama de baixa energia, sendo suficientes para que aparelhos de imagem possam captar sua distribuição pelo corpo do paciente. Já quando um radiofármaco emissor de fótons alfa ou beta de alta energia é administrado, ele é capaz de irradiar as células tumorais bem de pertinho, preservando ao máximo os tecidos vizinhos saudáveis. 

Após a aplicação no paciente, os radiofármacos se ligam a uma célula tumoral, ora para diagnosticar o tumor ora para destruí-lo, promovendo uma medicina personalizada, que alia precisão, eficácia e menos toxicidade. O infográfico a seguir sintetiza a estrutura do radiofármaco e as etapas do Teranóstico.

O Teranóstico é tema de um artigo de revisão de literatura realizado por pesquisadores do Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera), que é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado, majoritariamente, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP; processo nº 2021/10265-8). O estudo destaca o funcionamento do modelo Teranóstico na Medicina Nuclear, os principais radiofármacos e exames de imagens utilizados na abordagem.

Desafios de um artigo de revisão de literatura

Publicado na revista Pharmaceuticals (2024, v. 17, n. 1; DOI: 10.3390/ph17111483), o artigo intitulado “Medicina Nuclear Teranóstica no Câncer de Próstata” (do inglês Theranostics Nuclear Medicine in Prostate Cancer) é uma revisão de literatura que explica o funcionamento do Teranóstico no câncer e apresenta os principais radiofármacos e exames de imagem utilizados nessa abordagem. Embora diferentes radiofármacos teranósticos sejam mencionados, o foco do artigo recai sobre o uso da molécula do Antígeno de Membrana Específico da Próstata (Prostate-specific Membrane Antigen – PSMA), que se liga de forma seletiva a células tumorais da próstata quando aplicados nos pacientes.

Leia o artigo Theranostics Nuclear Medicine in Prostate Cancer na revista Pharmaceuticals (2024, v. 17, n. 1; DOI: 10.3390/ph17111483.

Helena C. L. Lima, graduanda em Medicina pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), e Marina C. Etchebehere, graduanda em Medicina na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, foram as principais autoras do artigo, também contando com a contribuição da Dra. Elba C. S. C. Etchebehere, médica nuclear e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, e do Dr. Victor M. Deflon, radioquímico e professor do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo – eles são pesquisadores principais no CancerThera. Colaboraram: a Dra. Mariana C. L. Lima, médica nuclear e pesquisadora associada do CancerThera; o Ms. Mateos Bogoni, médico nuclear; a Ms. Caroline Torricelli, biomédica; e a Dra. Ellen Nogueira Lima, bióloga.

“O maior desafio para a produção do artigo foi levantar todas as informações atualizadas sobre o tema e organizá-las da melhor forma para auxiliar os especialistas da área”, explica Helena Lima. Já Marina Etchebehere destaca a complexidade do tema e a importância de garantir uma escrita acessível: “Como ainda sou aluna de Medicina e o assunto é bastante específico, tive um cuidado grande ao procurar as minhas fontes para a revisão e redigir um texto de forma coerente e clara”.

O PSMA no Teranóstico

Um dos pilares do Teranóstico é o uso de imagens moleculares para guiar as condutas de profissionais que atuam segundo essa abordagem. Um dos equipamentos utilizados por médicos nucleares é o que realiza a Tomografia por Emissão de Pósitrons Acoplada à Tomografia Computadorizada (da sigla em inglês PET/CT), possibilitando diagnósticos por imagem que exploram radiofármacos emissores de pósitrons. 

Os pesquisadores explicam que, na realização desse exame, os pósitrons colidem com elétrons no corpo do paciente em um processo chamado “aniquilação”, resultando na emissão simultânea de dois fótons gama em direções opostas. A detecção dessa radiação gama é a base das imagens resultantes desse tipo de exame. 

O PSMA PET/CT é amplamente utilizado para identificar lesões que expressam altos níveis de PSMA. No Brasil, os principais radiofármacos emissores de pósitrons usados no câncer de próstata são: PSMA marcado com flúor-18 (PSMA-18F); PSMA marcado com gálio-68 (PSMA-68Ga); Fluoreto de sódio-18 (fluoreto-18F); e 2-Fluoro-D-deoxiglicose marcada com flúor-18 (FDG-18F).

O PSMA PET/CT é importante na avaliação diagnóstica de pacientes com câncer de próstata devido à sua alta sensibilidade na detecção de lesões primárias e metástases. O exame contribui com a detecção de tumores de risco intermediário desfavorável e alto risco, auxilia na determinação do melhor local para biópsia da próstata e no planejamento de radioterapia. 

Ele colabora também com a identificação de recidivas em estágios iniciais, assim como permite ao especialista avaliar a resposta ao tratamento e fazer a seleção dos pacientes para o tratamento baseado em PSMA com novos radioisótopos. Estudos como o australiano TheraP, publicado no BJU International Journal, mostram que a combinação de PSMA PET/CT com FDG PET/CT pode melhorar a seleção de pacientes para o tratamento, mas adiciona desafios logísticos e financeiros.

Para o tratamento na abordagem teranóstica, são dois os principais radioisótopos utilizados com PSMA: o lutécio-177 (177Lu) e o actínio-225 (225Ac). O lutécio-177 emite partículas beta de alta energia que causam danos direcionados às células tumorais, resultando em quebras no seu DNA e na morte delas. Já o actínio-225, emissor de partículas alfa, atua com maior energia e menor alcance, proporcionando maior eficácia em doses menores e menor toxicidade para tecidos saudáveis. “No entanto, a baixa disponibilidade global de actínio-225 limita seu uso à prática clínica, sendo restrito principalmente à pesquisa em poucos centros ao redor do mundo”, salientam os pesquisadores do CancerThera no artigo.

Esse infográfico sintetiza o conceito do Teranóstico a partir da estrutura da molécula de PSMA radiomarcada. Em verde, o lugar da molécula onde os radioisótopos se ligam: no diagnóstico, são usados o flúor-18 (18F) e o gálio-68 (68Ga); e no tratamento, o lutécio-177 (177Lu) e o actínio-225 (225Ac) – ilustração adaptada de Maurer T. et al. (2016).

Esses tratamentos têm mostrado resultados importantes, especialmente em pacientes com câncer de próstata avançado e resistente a outras terapias. Estudos como o Vision Trial, publicado no New England Journal of Medicine, demonstraram que o PSMA-177Lu aumenta a sobrevida global e melhora significativamente a qualidade de vida dos pacientes.

“A nossa revisão de literatura tratou do uso do Teranóstico no câncer de próstata, e existem muitas abordagens que não só o PSMA para esse tipo de tumor”, destaca Marina Etchebehere. Conforme ela explica, o uso teranóstico do PSMA está consagrado principalmente para tumores de próstata e suas metástases, entretanto, apesar de o artigo não abordar outros tipos de câncer, já existem evidências na literatura de que essa molécula pode ser promissora no tratamento, por exemplo, de tumores renais e em tecidos conjuntivos.

Novas perspectivas do Teranóstico

Estudos clínicos em andamento avaliam o uso do PSMA radiomarcado em estágios mais precoces da doença e em combinação com outras terapias, como cirurgia e quimioterapia. Projetos como o LuTectomy e o PSMAddition, mencionados no artigo, exploram novas fronteiras para esses tratamentos e apontam para um horizonte em que a abordagem personalizada seja a norma, não a exceção.

A expansão do Teranóstico depende de avanços na produção de radioisótopos e da consolidação de protocolos de seleção de pacientes e avaliação de resposta ao tratamento. Embora o Teranóstico tenha se consolidado em países desenvolvidos, sua aplicação no Brasil enfrenta barreiras. “Acredito que o maior desafio para a aplicação do Teranóstico em estágios iniciais do câncer de próstata seja a falta de conhecimento sobre o tema e o baixo acesso aos principais radiofármacos em grande parte do território brasileiro, em especial no sistema público de saúde”, alerta Helena Lima.

Apesar das dificuldades, os autores do artigo destacam em suas conclusões o enorme potencial dessa abordagem: “O conceito de usar a mesma molécula para diagnóstico e terapia abriu portas para tratamentos personalizados e eficazes, especialmente para pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração. Isso resultou em aumento da sobrevida e da preservação da qualidade de vida, com baixas taxas de efeitos colaterais. Há grande esperança de que o campo também passe a abranger estágios mais precoces da doença no futuro”.

O artigo completo pode ser acessado aqui.


Texto: Romulo Santana Osthues

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