A Ma. Daniele Affonso, bióloga, doutoranda vinculada ao CEPID CancerThera e atuante no Laboratório de Genética do Câncer (Lageca) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), participou do 73º Congresso Internacional e Reunião Anual da Sociedade de Pesquisa em Plantas Medicinais e Produtos Naturais, realizado em parceria com a Sociedade Italiana de Fitoquímica, entre 31 de agosto e 3 de setembro de 2025, em Nápoles, na Itália. O evento reuniu cientistas de todo o mundo para discutir os avanços mais recentes no campo dos produtos naturais e seu potencial terapêutico.
Affonso apresentou o trabalho Avaliação do efeito antiproliferativo dos enantiômeros da carvona em associação com complexos de prata em linhagens celulares de câncer de pele (em inglês: “Evaluation of the antiproliferative effect of enantiomers of carvone in association with silver complexes in skin cancer cell lines”), que investiga o potencial da carvona – um monoterpeno presente em óleos essenciais – em associação com complexos metálicos de prata para o tratamento do câncer de pele.
Monoterpenos são moléculas naturais presentes em óleos essenciais de plantas, como hortelã, lavanda e frutas cítricas. Eles são responsáveis por muitos dos aromas e sabores que sentimos e, além disso, possuem propriedades biológicas importantes, como ação anti-inflamatória, antimicrobiana e até potencial contra o câncer.
O diferencial da pesquisa e próximos passos
O interesse pela molécula surgiu ainda no mestrado da pesquisadora, quando estudava o óleo essencial de Mentha aquatica (hortelã-d’água), rico em carvona (com concentração de cerca de 62%), realizado no Laboratório de Fitoquímica, Farmacologia e Toxicologia Experimental (LAFTex) da Unicamp.
“No doutorado, essa experiência se somou ao estudo dos complexos de prata, que já demonstravam forte atividade antiproliferativa. A ideia de associar a carvona surgiu tanto pelo potencial farmacológico visto em testes em culturas de células quanto pela propriedade de facilitar a permeação cutânea de fármacos, ampliando a eficácia dos complexos metálicos”, explica Affonso, que, atualmente, é orientada pela Dra. Carmen Silvia Passos Lima, médica oncologista e hematologista, professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, pesquisadora principal no CancerThera e coordenadora do Lageca.
Um dos pontos centrais do estudo é a análise dos enantiômeros da carvona, formas moleculares em “espelho” conhecidas como R e S. Enantiômeros têm a mesma fórmula química e os mesmos átomos, mas organizados de forma espacial diferente. É parecido com nossas mãos: a direita e a esquerda têm a mesma estrutura, mas não se sobrepõem perfeitamente. Segundo Affonso, “essa diferença estrutural, aparentemente sutil, pode fazer com que cada enantiômero interaja de maneira distinta com alvos biológicos, resultando em propriedades farmacológicas diferentes”.
Os resultados mostraram que a combinação dos complexos de prata com a R-(−)-carvona potencializou os efeitos antiproliferativos em diferentes linhagens celulares de câncer de pele, reforçando achados anteriores da pesquisadora, que já havia observado maior citotoxicidade desse enantiômero em modelos tridimensionais de queratinócitos.
O próximo desafio é avançar para modelos experimentais mais próximos da realidade biológica. A pesquisadora explica que será necessário migrar para modelos 3D de esferoides tumorais (que são minitumores cultivados em laboratório), avaliar mecanismos moleculares como indução de apoptose (morte celular natural e programada) e alterações no ciclo celular, além de realizar testes de permeação cutânea. Caso os resultados sejam confirmados, a pesquisa seguirá para etapas em modelos animais, avaliando toxicidade e eficácia, antes de se pensar em futuros ensaios clínicos.
Além de Affonso e Lima, são autores do estudo – todos vinculados ao CancerThera: Juliana Carron (FCM/Unicamp); Francisco Mastrobuono Cordeiro de Almeida, Gabriele de Menezes Pereira e Pedro Paulo Corbi (Instituto de Química da Unicamp); e João Ernesto de Carvalho e Ana Lucia Tasca Gois Ruiz (Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp – FCF).


Estímulo para seguir a carreira acadêmica
Fora a relevância científica da apresentação de resultados preliminares de sua pesquisa, a participação no congresso foi um marco em sua trajetória pessoal e profissional. “Considero fundamental para a carreira de pesquisadora e para a visibilidade do CancerThera no exterior. Além disso, o contato feito com pesquisadores estrangeiros certamente vai facilitar o estabelecimento de parcerias entre universidades”, diz sua orientadora.
Além de treinar minha comunicação científica em inglês, consegui estabelecer contatos com pesquisadores de outras universidades, que podem futuramente render colaborações, especialmente em áreas como formulações e adesivos transdérmicos”, destaca Affonso, cuja bolsa de doutorado e o auxílio para financiamento à sua pesquisa são oferecidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Ela completa: “Essa experiência reforçou ainda mais minha motivação em seguir carreira acadêmica e internacionalizar minha pesquisa”.
Texto: Romulo Santana Osthues | Fotos: Acervo pessoal da pesquisadora