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[CancerThera na mídia] O Open Access (Acesso Aberto) não é apenas para cientistas. É também para os pacientes

Este texto foi originalmente publicado no portal Hora Campinas em 17/02/2025.

– Por Carmino de Souza

Muitos dos canais de mídia social aos quais você dá atenção provavelmente já possuem inúmeras solicitações para que você possa assinar a petição #openaccess. Tenho escrito sob o difícil e polêmico tema a partir do momento em que comecei a ver a questão de um novo ângulo, e verifiquei que o acesso aberto também é crítico para os pacientes. Em certos momentos de minha vida, como paciente, tive que ler e decidir de maneira compartilhada com meus colegas médicos o que fazer comigo mesmo. Tenham certeza que é mais fácil estar do “outro lado do muro”, isto é, como médico, e não como paciente.

Nos últimos anos, descobrimos que mais e mais pacientes estão tentando acessar estudos de pesquisas clínicas, incluindo estudos dos quais foram eventualmente participantes. Além disso, eles estão cada vez mais capazes de entendê-los. No entanto, o acesso fechado impede, muitas vezes, que eles entendam melhor suas condições e suas escolhas. Um exemplo muito marcante, fora de minha especialidade, e que gostaria de relatar diz respeito a PatientsLikeMe. A PatientsLikeMe foi fundada por uma família afetada pela Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença neurodegenerativa de rápida progressão comumente chamada de “doença de Lou Gehrig”.

A expectativa de vida para a ELA é, em média, de dois a cinco anos a partir do momento do diagnóstico. No caso de Stephen Heywood, irmão dos fundadores da PatientsLikeMe, Ben e Jamie Heywood, foi de sete anos. Stephen faleceu em 2006, aos 37 anos, tendo inspirado duas organizações projetadas para ajudar pacientes como ele (ALS Therapy Development Institute e PatientsLikeMe).

Como seria de se esperar, os pacientes de ELA pensam muito sobre sua condição, têm tempo para aprender tudo o que podem e são altamente motivados para acelerar o ritmo da pesquisa. Uma postagem da última década no fórum de ELA do PatientsLikeMe, escrita por Rob Tison, um paciente leigo sem treinamento médico, exemplifica isso: “Gostaria que as avaliações clínicas fossem mais quantitativas e menos subjetivas… Nossa doença não é bem compreendida, e parece que cada visita clínica regular oferece uma grande oportunidade de aprender muito mais sobre como a doença progride, incluindo médias e variações de mudanças mensuráveis em medições de força relacionadas a braços, pernas, pescoço e até mesmo língua. Suspeito que esses dados poderiam então ser usados para adicionar mais precisão às avaliações entre grupos de tratamento e placebo (controle) durante estudos clínicos, em vez de depender de dados muito menos precisos e muito menos estratificados do uso de pontuações (de classificação funcional) e sobrevivência.”

Esse comentário gerou uma discussão entusiasmada com pacientes e cuidadores, e vários resumos de estudos foram publicados. Mas, como sabemos, os resumos revelam apenas até certo ponto. Abrir o acesso às metodologias completas desses artigos ajudaria a educar os pacientes ainda mais e a se tornarem avaliadores críticos da pesquisa — não apenas sujeitos de teste, mas verdadeiros participantes da pesquisa.

O mais preocupante é o caso em que os pacientes podem ser participantes de um ensaio clínico para um novo medicamento e, ainda assim, obter acesso limitado aos resultados da pesquisa. Esses pacientes sacrificaram seu tempo e, em alguns casos, seu conforto, recursos e até mesmo sua segurança para ajudar outros pacientes que virão depois deles. Como outros pacientes empoderados, eles querem dissecar os protocolos de ensaios clínicos, entender os estudos pré-clínicos e obter uma visão equilibrada dos prós e contras de um tratamento que eles esperam que seja bem-sucedido em ensaios clínicos.

Em uma doença como a ELA, os pacientes podem até estar arriscando suas vidas quando se voluntariam para um estudo. Infelizmente, alguns medicamentos de ensaios clínicos para ELA levaram pacientes a morrer mais rápido do que o grupo placebo e, em muitos casos, ter participado de um ensaio clínico exclui um paciente de ELA da participação em um ensaio subsequente. Em situações como essa, acho difícil dizer que, como esses pacientes não trabalham em uma universidade ou têm doutorado, eles não deveriam ler os estudos que ajudaram a tornar possíveis.

Mesmo que um paciente de ELA não entenda todos os detalhes científicos ou a linguagem, graças à Internet, ele ou ela pode encontrar alguém que entenda. A coincidência é estranha o suficiente para que eu conheça cientistas de nível de doutorado que costumavam estudar a própria doença que eles desenvolveriam mais tarde.

Deveríamos estar clamando para remover as barreiras para que pacientes talentosos e fortalecidos possam entender melhor sua doença e talvez até nos ensinar, a comunidade científica, algo que temos perdido. Você pode estar pensando que estou construindo um caso muito grande em torno de uma doença que altera a vida de forma única.

Mas vimos padrões semelhantes em muitos casos na Hematologia (minha área de atuação), Oncologia, doenças raras, distúrbios do desenvolvimento (onde os pais se tornam especialistas na doença) e muitas outras doenças.

Eu apostaria que isso só vai continuar devido a três razões principais.

1: nossa população está vivendo mais.

2: os “baby boomers”, sem dúvida a geração com mais recursos da história, começaram a desenvolver uma série de condições crônicas de saúde.

3: porcentagens crescentes da população têm educação superior. Estamos observando uma mudança nos paradigmas dos cuidados em saúde, de “o médico sabe sempre mais e melhor” para “tomada de decisão compartilhada”. Enquanto antes eram “ordens médicas”, agora é “nenhuma decisão sobre mim sem mim”.

Modelos de negócios nas áreas assistenciais e de produção de produtos e serviços, diferentes tipos de acesso aberto, latência para esta abertura – sim, há muitos detalhes que precisam ser resolvidos. Mas agora é hora da ciência se atualizar.

Também como parte da sociedade, precisamos reconhecer que nossa compreensão da doença não pertence apenas à ciência, aos cientistas e aos profissionais de saúde. Pertence aos pacientes (que geralmente também são nossos financiadores, a propósito), e devemos existir principalmente para servi-los.

>>> Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp e pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo (1993-1994), da cidade de Campinas (2013 e 2020) e secretário-executivo da Secretaria Extraordinária de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Governo do Estado de São Paulo (2022). Atualmente, é presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, conselheiro e vice-presidente da FAPESP, além de diretor-científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).

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